A Missão do Design.
Por Chris Mazzotta
Há anos atuando como coach, venho percebendo a crescente manifestação da frustração profissional nas pessoas. Um amigo meu da faculdade tomou uma atitude radical e abandonou o “status” de designer na área automobilística para tornarse supervisor de estação do metrô. Percebo que sua satisfação pela mudança de vida não se limita a questões ligadas à remuneração. Ele acredita que atualmente o design esteja destituído de humanidade e, atuando neste novo ofício, se sente mais útil e mais próximo às pessoas.
O antropólogo peruano José Marin disseme que, por sermos seres sociais, todos nós temos forte necessidade de pertencimento que se manifesta não somente no desejo de nos aproximarmos dos grupos aos quais nos identificamos, mas também em nos sentirmos aceitos em nossa individualidade e com ela atuantes no contexto ao qual pertencemos. Por este motivo, talvez essa mudança no estilo de vida esteja se tornando um fenômeno. Ouvi várias outras histórias encorajadoras como a do meu amigo, envolvendo os mais diversos campos de atuação profissional.
O meu professor de tango costuma dizer que “o ritual vem do natural”. Mas em nosso tempo, depois de termos sido “moldados” por um sistema que está em defasagem e nos afastando do natural, subestimamos as origens e todos os rituais com suas razões de existir. Um motivo plausível é que tenhamos importado este sistema falido para outros campos da nossa vida, como se um mesmo sistema fosse tão eficaz na criação dos nossos filhos quanto na gestão de nossas empresas.
Estamos em contato continuamente com objetos sem profundidade, seja do ponto de vista objetivo ou subjetivo. A mão de obra se tornou mais barata e o “fazer” tomou grandes proporções de desvalorização. Em um curso de processos criativos que eu ministrava, cheguei a presenciar uma mãe proibindo sua filha de levar para casa um brinquedo realizado pela própria criança na aula. “Já temos lixo demais em casa!”, ela dizia, enquanto segurava várias sacolas de compras cheias de objetos de decoração. A pequena criança levou horas para construir a boneca que ela mesma disse que sempre quis ter. Na brincadeira, ela aprendeu sobre a qualidade de alguns materiais, aprendeu a fazer junções entre eles, utilizando outras matérias e formas imprevisíveis. Entendeu que objetos ordinários podem ter poderes extraordinários. Sentiuse autônoma, representada, capaz de transformar o que não lhe servia em algo que lhe fazia sentido. A pequena criança “configurouse”, projetando seus próprios recursos internos. E eu, por minha vez, aprendi que precisaria focar nos adultos.
O consumismo banaliza o poder revolucionário de um movimento. Ele faz com que nos sintamos menos importantes que “as coisas”, para que tenhamos a necessidade de nos completarmos, forçando-nos a adquirir essas “coisas”. É por isso que nunca estamos satisfeitos, nunca nos é suficiente, não nos bastamos. Estamos viciados em colecionar ideias do que queremos ser sem nos ver efetivamente em nada!
Quando estudava, fui apresentada a designers que propunham o produto como mediador da educação criativa e da qualidade de vida das pessoas, como Bruno Munari (19071998). Munari e alguns de seus colegas eram artistas visuais migrados para a indústria e não abandonaram um posicionamento autoral e social. Com esta postura, acreditavam na responsabilidade social do consumo e, portanto, na coerência ética desde a necessidade legítimada existência daquele objeto até sua distribuição e utilização, fazendo com que essa responsabilidade fosse compartilhada entre todos aqueles que vinham em contato com o objeto. Além disto, exploravam a relação dialética entre produto e usuário, propondo repensamentos de gestos, pontos de vista críticos, criando novas mentalidades “elásticas”. Alguns designers criaram uma vida artificial em prol da vida natural para, afinal, como acreditava Darwin, preservar a espécie humana.
Não tive o prazer de conhecer Munari pessoalmente, mesmo tendo vivido anos em sua terra natal, mas isso não me impediu de ter sido contaminada pela sua filosofia e de pregar há tempos uma ideia de trabalho que alguns ainda julgam “romântica”.
Mas se você chegou até aqui é porque também sente estar levando uma vida esquizofrênica, conectado com a internet, mas desconectado com o sentido da própria existência. Então é hora de agir. E não importa se você é designer ou trabalha na Cia Metropolitana. São o pensamento e a ação os verdadeiros designers de um digno destino.
Chris Mazzotta ministra o curso de “A História Secreta dos Objetos” e o curso “Design Thinking” na Espaço Mix.
Espaço Mix – Desde 2003, a escola de Joalheria e Design que acredita no talento de seus alunos.
Deixe uma resposta